segunda-feira, 30 de junho de 2014

A relação entre as chuvas na América do Sul e o desmatamento da Amazônia


Fonte: Projeto Rios Voadores, Revista Águas do Brasil <http://aguasdobrasil.org/edicao-04/projeto-rios-voadores.html>

A Amazônia é umas das regiões mais úmidas do mundo e qualquer alteração em sua ecologia pode afetar o regime de chuvas de todo sudeste da América Latina, sendo assim, imprescindível para a sobrevivência da população e biodiversidade da região. A movimentação das massas de vapor atmosférico na América do Sul é análoga ao curso de um rio que nasce na Amazônia e percorre o continente sul americano, por isto foi referida pelo cientista Antonio C. Nobre na palestra TEDxAMAZÔNIA como “rio voador” (Figura 1). A despeito de sua importância, esse rio atmosférico se encontra seriamente ameaçado, principalmente pelo processo de desmatamento da floresta, e uma alteração em seu fluxo pode gerar graves conseqüências para pessoas a milhares de quilômetros da floresta Amazônica (REDAÇÃO ECOD, 2011).

Formaçao e fluxo da chuva na America Latina
Figura 1. Processo de formação e fluxo do "rio voador" que regula o regime de chuvas na América Latina. Ilutraçao de Mariana M. M. Sarmento.
Uma grande massa de vapor parece invisível, porém percorre o continente americano diariamente e despeja uma quantidade de água doce maior que a vazão do próprio rio Amazonas. Influencia as chuvas no Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (REDAÇÃO ECOD, 2011). Este rio voador é responsável por 70% das chuvas de verão apenas no estado de São Paulo (FEARNSIDE, 2005) e permitiu o desenvolvimento da diversidade de biomas existentes no continente Sul Americano. 

Segundo o cientista Antônio Donato Nobre, no Brasil existe um “Paradoxo da sorte” na América do Sul, pois em todas as regiões do mundo localizadas ao sul das florestas equatoriais são desertos, como o Kalahari, aqui há uma grande variedade de biomas, entre os quais o Pantanal e a Mata Atlântica (REDAÇÃO ECOD, 2011; Figura 2) que é considerada um hostpot, ou seja, bioma de prioridade para a conservação (MYERS et al., 2000).

Contudo, por este rio voador parecer invisível, muitos não entendem a correlação entre a floresta Amazônica e o regime de chuvas de regiões distantes dela. Davi Copenaua, intérprete da FUNAI, pajé, líder indígena e presidente da Hutukara Associação Yanomami, disse: “Será que o homem branco não sabe que se ele tirar a floresta vai acabar a chuva? E se acabar a chuva ele não vai ter o que beber nem o que comer?” (REDAÇÃO ECOD, 2011). Afinal, como obteremos água e produziremos comida, eletricidade e diversos outros recursos vivendo em um deserto (Figura 2)?

vegetaçao no lugar de desertos
Figura 2. Biomas mundiais. 1: Deserto de Atacama; 2: Kalahari; 3: Complexo de desertos australianos. Adaptada de: http:\\opabrasil.org.br\Ecossistemas.html

Como observado por Davi, o desmatamento pode causar redução vertiginosa das chuvas em todo o Amazonas, pois afeta diretamente o ciclo da água na floresta. A supressão da vegetação diminui a capacidade do solo em reter água e maior parte dela escoa pelos rios e córregos. Com menor quantidade de água no solo menos água pode ser bombeada para a atmosfera pela evapotranspiração inibindo a reciclagem de água. Isso diminui a quantidade de umidade levada pela atmosfera, reduzindo a vazão do “rio voador” e a precipitação em regiões onde ele percorre. A mudança no clima da região agravaria a estação seca, causaria mortalidade de árvores e aumento do risco de incêndio, fazendo com que as áreas de cerrado avançassem sobre as áreas das atuais florestas, alterando a biodiversidade da região (BUTLER, 2013; FEARNSIDE, 2005). 

Apesar das campanhas governamentais para acabar com o desmatamento da floresta este ainda ocorre dia após dia, só em 2013 houve um aumento de 28% em relação a 2012 (INPE, 2013). As principais causas do desmatamento são: a pecuária, monocultivo de soja, e também a demanda por madeira nativa (FEARNSIDE, 2010). O estado de São Paulo e região Sul do Brasil são os maiores consumidores de madeira nativa amazônica (SMERALDI & VERISSIMO, 1999). Região que possui regime de chuvas dependente do “rio voador”, mas que não diminui seu crescimento econômico e ainda é morosa na busca por alternativas mais sustentáveis de consumo e de vida. 

Como afirmou Antônio Nobre e Davi Copenaua, o desmatamento e a mudança climática não afetariam apenas a Amazônia, o “rio voador” teria sua vazão alterada gerando conseqüências catastróficas para as pessoas que vivem a milhares de quilômetros de distância. Este quadro afetaria a agricultura, a geração de energia elétrica pelas hidrelétricas e água para consumo humano e animal, diminuiria também os serviços ambientais provenientes da Amazônia e de outros biomas dependentes do “rio voador”. Geraria racionamento de energia, problema no abastecimento de alimento, água e serviços nos centros urbanos, aumentando casos de enfermidades, entre outros problemas (BUTLER, 2013).

É preciso conter o desmatamento não apenas com campanhas governamentais, mas com a conscientização e educação de toda população humana acerca da dinâmica do próprio planeta Terra. É preciso respeitar e escutar a sabedoria de povos nativos da região e mudar o rumo da nossa sociedade. Não teremos tempo de sobreviver se precisarmos ver a América do Sul inteira se transformando em um grande deserto para tomar alguma providência. 

Referências

FEARNSIDE, P. M. 2005. Desmatamento na Amazônia brasileira: história, índices e conseqüências. Megadiversidade, 1(1), 113-123.

FEARNSIDE, P. M. 2010. Conseqüências do desmatamento da Amazônia. Scient Amer Brasil Especial Biodiversidade pp 54–59

MYERS, N., MITTERMEIER, R. A., MITTERMEIER, C. G., FONSECA, G. A. B. & KENT, J. 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature. 403: 853-858.

Smeraldi, R., & Verissimo, A. 1999. Acertando o Alvo: Caracterização do Consumo Interno de Madeira da Amazônia. IMAFLORA and IMAZON.


Sites acessados




REDAÇÃO ECOD. 2010. EcoD Básico: Rios voadores. Página web Eco Desenvolvimento. Disponível em: http://www.ecodesenvolvimento.org/noticias/ecod-basico-rios-voadores

Por Mariana M. M. Sarmento, graduanda em Ciências Biológicas. ESALQ/USP, sob a orientação da Profa. Laura Alves Martirani

terça-feira, 17 de junho de 2014

Ambiente e saúde: o uso de agrotóxicos no Brasil


Fonte: panfleto campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida (2012)

Desde muito pequenos escutamos que para sermos saudáveis temos que comer frutas e vegetais. Mas será que isso ainda se aplica aos alimentos que consumimos atualmente?

Durante o século 20 as grandes empresas do ramo químico desenvolveram tecnologias de guerra baseadas no uso de substâncias tóxicas para o ambiente. Um exemplo é o agente laranja que foi utilizado em florestas vietnamitas como um agente desfolhante para desocultar tropas escondidas (LUCCHESI, 2005). Essa substância causou ampla destruição ambiental e provocou enfermidades irreversíveis na população, sobretudo má-formações congênitas, câncer e síndromes neurológicas em crianças, mulheres e homens do país.

Com o fim das grandes guerras mundiais as empresas químicas começaram a direcionar essa produção para eliminar pragas e aumentar a produtividade em propriedades agrícolas num mundo onde milhares de pessoas passavam fome. No entanto a negligência e falta de estudos sobre os efeitos dessas substâncias somadas a interesses comerciais para apressar a aprovação das mesmas fizeram com que compostos altamente tóxicos para o ambiente e saúde humana fossem amplamente utilizados. Em 1962 no livro “Primavera silenciosa” a autora, Rachel Carson já afirmava: “Nós permitimos que esses produtos químicos fossem utilizados com pouca ou nenhuma pesquisa prévia sobre o seu efeito no solo, na água, animais selvagens e sobre o próprio homem”

Até hoje usamos o termo "dedetizar uma casa". Essa expressão se refere ao DDT (diclorodifeniltricloroetano) um agrotóxico organoclorado com efeitos potencialmente carcinogênicos (D’AMATO, 2012) que persiste no ambiente e se bioacumula na gordura animal (inclusive do homem) por vários anos. Segundo um trabalho realizado por Danielly Palma em 2010, todas as amostras de leite materno coletadas em sua pesquisa na cidade de Lucas do Rio Verde, um importante pólo agrícola do MT, possuíam metabólitos do DDT. Essa substância foi amplamente utilizada a partir da década de 50 na agricultura e borrifada em paredes das casas em dedetização. Atualmente o DDT se encontra banido na maioria dos países.

O Brasil é o país que mais consome agrotóxicos no mundo. Segundo dados da ABRASCO cerca de 20% de toda produção de agrotóxicos do mundo é utilizada pelo Brasil. Tal uso exorbitante gera problemas ambientais e de saúde do produtor até o consumidor. 

O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da ANVISA mostra que 63% dos alimentos consumidos no Brasil contém algum resíduo de defensivo agrícola e 28% está acima do limite máximo estabelecido pelas normas brasileiras. A imagem mostra a porcentagem de amostras irregulares das culturas campeãs em problemas com agrotóxicos:

Fonte: Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos da ANVISA (2011) 

No Brasil, a cada ano, cerca de 500 mil pessoas são contaminadas, segundo o Sistema Único de Saúde (SUS) e estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A contaminação por agrotóxicos existe na maioria de nossos alimentos, provocada por níveis de resíduos acima do permitido, pela utilização de agrotóxicos não permitidos para certos tipos de cultivo e também por conta da utilização de agrotóxicos proibidos no país. A ANVISA afirma que 14 tipos de agrotóxicos prejudiciais à saúde já banidos em outros países continuam em circulação no Brasil e que devem ser urgentemente banidos.

Portanto, embora seja recomendável o consumo de frutas e vegetais para uma boa saúde, devemos sempre estar atentos à procedência do alimento que vamos ingerir. E se possível dar preferência para alimentos isentos de agrotóxicos como os alimentos orgânicos ou agroecológicos.

Referências:

ANVISA. Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxico em Alimentos (PARA), dados da coleta e análise de alimentos de 2010. Brasília. 2011. Disponível em www.anvisa.gov.br. Acesso em 03/05/2014.

CARNEIRO, F. F. et al. Dossiê ABRASCO – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Parte 1 - Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO, 2012

CARSON, R. L.; DARLING, L.; POLILLO, R. Primavera silenciosa. Rio de Janeiro: Melhoramentos, 1962.

D’AMATO, C.; TORRES, J. P. M.; MALM, O. DDT (diclorodifeniltricloroetano): toxicidade e contaminação ambiental - uma revisão. Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências da Saúde. Rio de Janeiro. Química Nova. 2002

LUCCHESI, G.Consultoria legislativa: Agrotóxicos – Construção da legislação. Brasília. 2005. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2227/agrotoxicos_construcao_lucchese.pdf. Acesso em: 03/05/2014.

PALMA, D. C. A. et al. Agrotóxicos em leite humano de mães residentes em Lucas do 
Rio Verde – MT. 2011. Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal do Mato Grosso.

Por Lucas Vinícius Domingues, sob orientação da professora Laura Alves Martirani